segunda-feira, janeiro 19, 2015

O América na Era Pelé (Parte 8)

Um jogador entre os 59 mortos

Disputado no segundo semestre, o Campeonato Paulista de 1960 começou com derrota do América por 2 a 1, em casa, para o Guarani. No improviso, com Bertolino de técnico interino, a equipe rio-pretense tropeçou em outras partidas e já começava a preocupar. Por isso, era importante vencer aquele jogo em Taubaté, na noite de 24 de agosto.
Um dia antes, o garoto Andy, em início de carreira e começando a ser utilizado entre os profissionais, chega para a comissão técnica e faz um pedido. Queria ser dispensado da viagem para se juntar à fanfarra da Escola Técnica de Comércio Dom Pedro que, ao lado dos estudantes do Ginásio Riopretano, fariam uma apresentação na cidade de Barretos.
O América viajava na véspera do jogo, concentrando-se em São José dos Campos, para o compromisso em Taubaté. Hildebrando Rodrigues da Silva, o Andy, foi autorizado a permanecer em Rio Preto e, no dia seguinte, feliz, integrava a fanfarra. Na mesma noite, mais uma vez o América era derrotado, por 1 a 0, e começava a ficar com a situação complicada no campeonato.
Mais tarde, os jogadores ficaram sabendo pelo radialista Adib Muanis que a maior derrota não tinha ocorrido em Taubaté, mas no rio Turvo, na divisa dos municípios de Guapiaçu e Olímpia. Um ônibus desgovernado despencou nas águas com 65 estudantes dentro. Eram os estudantes rio-pretenses que compunham a fanfarra e se dirigiam para uma apresentação em Barretos.
O ônibus chocou-se contra o pequeno muro de proteção e mergulhou nas águas do Turvo. Morreram 59 e Andy era um deles. A capota ficou amassada. Os bombeiros tiveram muito trabalho para virar o ônibus com o lado da porta lateral para cima, arrancando-a  para a remoção dos corpos. Depois, foram retirados os vidros e a remoção foi feita pelas janelas.
Era quase ao amanhecer quando os corpos começaram a ser levados de volta para Rio Preto. O dia foi inteiramente dedicado aos preparativos para a missa de corpo presente. Quase às 17 horas, começa a missa em frente à Catedral. Dom Lafayette Libânio, o bispo, fala emocionado:
­– Desceu a sombra da morte sobre nossa cidade. Eles passaram da terra para a eternidade. Eles passaram do sofrimento para a luz.
E continua:
– O maior sufrágio para as almas é a lágrima derramada de conformidade com a vontade de Deus. As lágrimas da mãe que purificam a alma do filho; as lágrimas do pai que auxiliam a maior felicidade ao filho.
Era incalculável o número de pessoas que se aglomeraram em frente à Catedral. A multidão se dispersou quase às 18 horas, quando os caixões foram levados para o cemitério.
Na extensão de toda a Avenida da Saudade, moradores se postaram para presenciar a passagem do cortejo fúnebre. Saindo da área central e depois entrando por aquela avenida, os caixões foram conduzidos ao Cemitério da Ressurreição, na Vila Ercília, bem ao lado do estádio “Mário Alves Mendonça”. Já era noite e um poderoso holofote foi instalado pela Prefeitura. O trabalho final dos sepultamentos só foi completado no dia seguinte, quando as fotos do acidente, produzidas por Jayme  Collagiovanni, estampavam as páginas do Diário da Região.
O estádio abriu os portões à população para a celebração da Missa de Sétimo Dia, em 31 de agosto. O jogo entre América e Santos, marcado para aquela semana, no dia 28, foi adiado para 17 de setembro. A grande maioria dos moradores estava envolvida sentimentalmente com aquele acontecimento quando outra notícia trágica chegou ao município: o avião Cessna 140, pilotado pelo agropecuarista rio-pretense Milton Terra Verdi, desaparecera ao sobrevoar a selva boliviana.

quinta-feira, janeiro 15, 2015

O América na Era Pelé (Parte 7)

Oito a zero, quatro gols do Rei

Pelo segundo ano consecutivo o América disputava a elite do campeonato e até então não havia dado moleza para o grande Santos. Mas ninguém resiste tanto e por tanto tempo quando do outro lado estão os mágicos da bola e no meio deles um rei. Foi o que os jogadores do América descobriram ao voltar à Vila Belmiro em 14 de outubro de 1959, o terceiro jogo do América no segundo turno do campeonato.
– Fecha la janela, morôtio, fecha la janela, morôtio.
Morôtio era como o goleiro argentino Vilera chamava os seus companheiros. Ele queria dizer “fecha as pernas, negrão”.
Os gênios da Vila estavam ali decididos a operar o milagre da multiplicação do futebol e esperaram só sete minutos para abrir as janelas, com Pepe, cobrando pênalti de Ambrózio sobre Dorval. Aos 21, outro pênalti, de Fogosa, em cima de Pepe, que cobrou e marcou de novo.
Pelé marcou aos 38 do primeiro tempo, aos 4, aos 31 e aos 33, no segundo tempo. Pagão deu os dois últimos golpes de misericórdia, aos 37 e aos 41. O América ficou de sacola cheia, como nunca havia ocorrido antes. Foram 8 gols a 0, quatro dos gols marcados pelo Rei.
Num dos lances, Pelé estava frente a frente com Fogosa, no mano a mano, Vilera gritando ‘fecha la janela’ desesperado dentro da pequena área e Bertolino debaixo dos paus, protegendo uma das traves. O Rei deu uma ginga de corpo, fez que chutou e não chutou para chutar em seguida. A bola passou não só no meio das canetas de Fogosa como passou pelo meio das pernas de Bertolino e foi parar no fundo das redes.
Ambrózio esbravejava, inconformado e inapelavelmente batido:
– Não é possível. Eles estão com vinte em campo contra onze do nosso time. Pode contar.
Ele tinha razão: um ataque com Dorval, Jair, Pagão, Pelé e Pepe, decididamente, valia e fazia por mais de vinte. Sem contar os outros, Manga no gol, Pavão, Mourão, Getúlio, Formiga e Zito, coadjuvantes de primeira naquela orquestra.
Escalados pelo técnico Pedrinho, os bravos Vilera, Carlos e Fogosa; Bertolino, Julinho e Ambrózio; Silvano, Guimarães, Santos, Osmar e Urias, pelo menos, carregariam o consolo de entrar para a história. Foi um alívio quando Dino Passini apitou o final do jogo, que teve arrecadação de 322 mil e 100 cruzeiros.

Dias depois, em 2 de novembro de 1959, os jogadores do América ficavam sabendo que o prefeito Alberto Andaló havia morrido em São Paulo. Valdomiro Lopes da Silva assume a Prefeitura e “batiza” a avenida Duque de Caxias como “Avenida Alberto Andaló”, construída sobre o Córrego Canela.