quinta-feira, junho 24, 2010

SÃO OS DEUSES JORNALISTAS?
(Minha coluna de 24/6/2010 no jornal BOM DIA Rio Preto)

As caneladas que Dunga tem trocado com a imprensa nesta Copa levantam uma discussão tão velha quanto controversa. Até que ponto ele, ocupante de um cargo de tamanha relevância, confiança e responsabilidade, pode agir feito unha de cavalo no trato com os jornalistas? Até que ponto isso influencia no cotidiano dele com seus subordinados e, ao mesmo tempo, na relação dele com seu superior hierárquico, no caso o poderoso chefão Ricardo Teixeira? Que influência isso pode exercer nesse negócio milionário que é a Seleção Brasileira, ainda mais numa Copa? Qual o tamanho do prejuízo?

O velho ditado nos ensina: quem fala o que quer, normalmente ouve o que não quer, e não estamos aqui nos referindo necessariamente à desinteligência entre Dunga e o repórter global. Afinal, parece não ser de hoje o desconforto de um segmento da “grande imprensa” em razão do nosso treinador brucutu não permitir privilégios – ele trata mal a todos, ou trata bem quando está de bom humor; e ele quase nunca está de bom humor. O Dunga é um chato ao quadrado, mas não age ao sabor do logotipo de microfones que colocam na sua boca, e isso é particularmente prazeroso.

Muito interessante também é observar que a CBF resistiu bravamente a toda força de oposição desde o dia em que anunciou a ida de Dunga para a Seleção. Ricardo Teixeira pode ser acusado de muita coisa, mas não de covarde, muito menos de ingrato, com Dunga. O chefe de Dunga parece ter colocado o interesse pelo conteúdo futebolístico da Seleção acima de outros interesses nesse emaranhado e milionário negócio. E Dunga mostrou resultados, não permaneceu na Seleção de favor, mas por seus próprios números, conquistados do seu jeito, com seu estilo. E sem nunca ter sido técnico de nada, praticamente um santo de casa – que até já fez alguns milagres e agora tenta o milagre maior.

O patrão de Dunga tem tido a inteligência de saber e de considerar que o comando é vertical. Se houvesse uma pesquisa de clima em todo o ambiente que cerca a Seleção – incluindo-se aí os repórteres – é possível que Dunga fosse reprovado. E se a CBF não levasse em conta que o comando é vertical, teria aproveitado tal pesquisa, muito usada (e nem sempre aplicada com inteligência) dentro das empresas: teria rifado Dunga lá atrás, covardemente, sem levar em conta que a posição de comando requer mãos firmes e, muitas vezes, medidas impopulares.

De forma alguma se pretende aqui defender as grosserias do treinador. Respeito cabe em qualquer lugar, é óbvio. Mas como não procurar pelo menos entender Dunga quando ele xinga um repórter se todos os dias estamos vendo tanto repórter chamá-lo de tudo, inclusive de burro, que é a definição mais amena que se costuma utilizar?

É verdade que, às vezes, Dunga acredita que é Deus. Não é menos verdade, porém, que muitos jornalistas têm certeza que são deuses.

quinta-feira, junho 17, 2010

FUTEBOL E FILOSOFIA DE BOTEQUIM
(Minha coluna no BOM DIA Rio Preto em 17/6/2010)

Os monges de Dunga cumpriram direitinho o script. O time jogou um futebol nanico e fez para o gasto no esquelético placar de 2 a 1 diante da poderosa Coreia do Norte. Esconderam tanto o jogo nos treinos secretos que não conseguiram encontrá-lo depois. A equipe brasileira foi, enfim, mais Dunga do que nunca, com economia de habilidade, apenas relances de lucidez e um golaço que caiu do céu, naquele chute do Maicon, sem ângulo. Ele mesmo confessou: já estava “sem perna”, fez o gol meio sem querer, numa jogada que o antigo técnico flamenguista Cláudio Coutinho – que dirigiu o Brasil na Copa de 1978 – chamava de overlaping: quando o lateral inverte posição com o ponta ou o meia e recebe na cara do gol. Uma jogada explorada por qualquer treinador medíocre.

O jeito Dunga de jogar frustra, mas não surpreende. E o bom é que, bem ou mal, cumpriu com sua obrigação “goleando” o time de robôs da Coreia, que chamou atenção muito mais pelo choro convulsivo do seu atacante do que pelo futebol. Em noventa e poucos minutos, o rapaz chorou mais do que a Alinne Moraes em toda a novela “Viver a Vida”. E olha que os coreanos ainda conseguiram a incrível façanha de fazer um gol no Brasil quando até o Dunga estava ficando mais corajoso nas substituições. Aliás, em poucos minutos no final da partida, Nilmar fez mais que Luís Fabiano, o “fabuloso”. Ao final da partida, o goleirão Júlio César chegou a uma fantástica conclusão e repetiu a filosofia de boteco: não tem mais bobo no futebol.

E por falar em boteco, filosofia e futebol, me vem à memória um inusitado encontro que tive com Sócrates, o Brasileiro, ídolo corintiano e craque da maravilhosa e perdedora Seleção da Copa de 1982, na Espanha. Assim como agora, em que se fala muito na convocação de Dunga (que não gosta de jogador que bebe, mas faz propaganda de cerveja), desde aquela época se questionava muito essa relação atleta-cachaça. Não é segredo para quase ninguém que Sócrates nunca economizou na velha e boa cervejinha gelada, e nunca fez questão de esconder isso. Em campo, ele se garantia. Tanto que foi chamado duas vezes para a Seleção (82 e 86) por ninguém menos que o rigoroso Telê Santana, o mestre dos técnicos. Telê era disciplinador, mas não era bobo.

Tempos depois da Copa de 1986, que o Brasil de Telê também perdeu, no México, entrevistei Sócrates em Rio Preto. Ele veio para um simpósio promovido pelo fisioterapeuta Ademir Rodrigues. Eu e o fotógrafo Eduardo Secco fomos nos encontrar com Sócrates numa sexta-feira, de madrugada, no hotel, em meio a outros convidados. O craque nos recebeu muito à vontade, naturalmente cercado de latinhas de cerveja oferecidas pelo anfitrião. Enquanto bebia, Sócrates não estava nem aí para as fotos feitas pelo Secco, já também meio embriagado.

Depois de tomar um “balde” junto com ele e de fazer as perguntas “imprescindíveis”, deixei para o final aquela pergunta que não poderia faltar:

-- Sócrates, até que ponto você se sente incomodado com essa fama de jogador bebedor de cerveja?

Virou mais uma latinha na boca, deu outra golada pra lá de apetitosa e respondeu, sossegado e gozador:

-- Isso nunca me incomodou, só me ajudou. Já ganhei foi muita caixa de cerveja por causa disso!

segunda-feira, junho 14, 2010

MINHA ENTREVISTA COM O REI PELÉ

Bom, se a Globo pode reprisar à exaustão aqueles filmes batidos na Sessão da Tarde, acho que posso também reprisar o texto abaixo. Até porque estamos em plena Copa da África do Sul.

Da série "Vale a pena ver de novo", a entrevista concedida pelo Rei Pelé a Milton Rodrigues, publicada no meu livro "Avenida da Saudade - o América de Rio Preto na Era Pelé", e no Diário da Região do dia 10/10/2004 (só podia ser dia 10 do 10 uma entrevista com o 10 mais famoso do mundo):

Milton Rodrigues - Em qual estádio do Interior era mais difícil jogar?
Pelé - Jogar no interior sempre foi muito difícil, mesmo na melhor fase do Santos Futebol Clube. Principalmente Araraquara e Rio Preto.

Milton - Qual o time do Interior era mais difícil de ser batido?
Pelé - Sem dúvida nenhuma a Ferroviária de Araraquara era a pedra na chuteira do Santos Futebol Clube. Era difícil também com o América de Rio Preto, mas todos os times do interior, quando se defrontavam com o Santos, queriam ganhar. Davam muito trabalho.

Milton - Houve algum lance ou gol marcante em jogos com o América?
Pelé - Contra o América, sempre era um jogo espetacular, principalmente em Rio Preto.

Milton - É verdade que o lateral Ambrózio, do América, foi um dos seus marcadores mais leais entre os times do Interior?
Pelé - Ambrózio era um grande jogador, jogava duro, mas leal, sempre na bola.

Milton - Você se lembra do jogo de 1973 em Rio Preto, em que houve um incêndio e você acenou para a torcida junto com o Clodoaldo, pedindo calma (foi a última vez que você jogou em Rio Preto).
Pelé - Foi muito triste ter me despedido de Rio Preto com aquelas cenas de desespero na torcida. O acidente poderia ter sido bem mais grave, mas Deus ajudou.

Milton - E o jogo de 1969 em Rio Preto, em que você tomou vacina no estádio, para incentivar uma campanha de vacinação?
Pelé - Nós sempre apoiávamos as campanhas de vacinação do governo. Tomávamos as vacinas para dar exemplo.

Milton - O que você acha dos comentários de que a Lei Pelé está “acabando” com o futebol do Interior?
Pelé - Eu tenho esclarecido isso, em todas as minhas entrevistas. O que está acabando com o futebol brasileiro é a má administração dos nossos dirigentes. Pergunto: onde foi parar o dinheiro que entrou para o Vasco da Gama? e o dinheiro que entrou no Flamengo? e o dinheiro que entrou no Corinthians? e o dinheiro que entrou no Grêmio?, etc, etc. Isso é culpa da Lei Pelé?

Milton - O que os clubes do Interior deveriam fazer para superar a eterna crise financeira?
Pelé - É só administrar profissionalmente os seus clubes.

Milton - Por que você nunca quis ser presidente do Santos FC?
Pelé - Nunca tive a pretensão de ser dirigente de futebol. Eu gosto de trabalhar com a base, com as crianças. Essa vai ser minha aposentadoria.

Milton - Você acha que o Santos deveria aposentar a camisa 10, tanto tempo depois que você parou?
Pelé - Não temos esse costume aqui no Brasil, isso só acontece nos Estados Unidos.

Milton - Você acha possível algum jogador igualar suas marcas ou como você costuma dizer, o seu Dondinho e a dona Celeste jogaram a forma fora?
Pelé - Pode existir um igual ou melhor que o Pelé, mas outro Pelé não haverá jamais.

Milton - Até onde o Ronaldo pode chegar na Seleção? Você acha que ele pode superá-lo?
Pelé - Sem comparar, Ronaldo já é uma realidade. Aliás, os dois Ronaldos (o Fenômeno e o Gaúcho) são uma realidade.

Milton - Mais alguma consideração, Pelé?
Pelé - Foi um prazer ter respondido suas perguntas e receba um abraço de minha parte.

sábado, junho 12, 2010

O MOSTEIRO DE DUNGA

Minha coluna no jornal BOM DIA

Nosso comandante Dunga alegou a necessidade de colocar a razão acima da emoção ao convocar os 23 jogadores que terão o desafio de conquistar o Hexa pela Seleção Brasileira no Mundial da África do Sul. Os fora-de-série Adriano, Ganso e Neymar fora? “Ah, não”, repetiu-se a sinfonia do Oiapoque ao Chuí. Os “mortais” Grafite, Ramires, Josué, entre outros, dentro? “Ah, não”, de novo. Impossível agradar a todos, obviamente, e temos enfim o grupo de “ah nãos” – ah, sim, a torcida concorda com Dunga em grande parte dos convocados.

Do alto de sua fama de durão, disciplinador e moralista de primeira hora, o treinador se permitiu admitir que contrariou seu coração ao deixar Adriano fora da lista. Definitivamente, a vida tumultuada do Imperador não combinava e não combina com aquela seleção de monges liderados pelo prodigioso Kaká. A propósito, naquele jogo contra o sensacional e revolucionário time da Tanzânia o contestado Ramires já mostrou um pouco do que pode ser capaz de fazer de bom agora na terra de Mandela.

O próprio treinador, que nunca havia treinado ninguém e nunca foi o comandante dos sonhos de todos os brasileiros, tem resultados para mostrar. Os números de Dunga impõem respeito. Ao mesmo tempo, ele assume uma responsabilidade sem precedentes ao fechar com seus atletas sacrossantos, desprovidos de toda e qualquer tentação carnal, como convém em um ambiente de monastério. Consciente e acostumado com as cobranças que ele não faz questão de assimilar, o técnico até já disse estar conformado ao ler e ouvir que essa não é a seleção do Brasil, mas a seleção do Dunga.

O treinador da Seleção Brasileira – que já foi campeão mundial como atleta – faz coro ao pensamento de outro comandante contestado, e igualmente campeão do mundo junto com Dunga na Copa de 1994. Absolutamente por acaso, em 1991, fui o primeiro repórter do Brasil a falar com ele, Carlos Alberto Parreira, tão logo a CBF o escolheu para substituir Paulo Roberto Falcão. Parreira viajava de ônibus com o seu Bragantino, de Bragança para Rio Preto, onde enfrentaria o América no Paulistão.

A contragosto, Parreira me sinalizou que, a partir dali, ele seria “o cara” da Seleção. Minutos depois, teve de tocar no mesmo assunto com dezenas de outros repórteres. E raciocinava que o Brasil, com organização administrativa e jogadores de juízo, poderia ser um Dream Team, tal qual a seleção de basquete norte-americana. Era para ter não só cinco, mas dez títulos mundiais. Se bem que Parreira foi campeão com Romário, cujo pescoço nunca teve vocação para ornamentar cangalha.

Enfim, nosso treinador de plantão parece apostar primeiro no homem, depois no atleta. Se puder ter os dois na mesma pessoa, como se espera de Kaká, tanto melhor. Se um ou outro, como Robinho, for mais moleque do que homem, estará perdoado junto com Dunga desde que apronte aquelas molecagens e ajude o Brasil a encontrar o caminho mais curto em direção ao gol e à taça. Seremos, então, capazes de engolir não só o Dunga, mas até o extraordinário Doni, reserva do reserva do Julio César.

Ah, sim: esse Dunga que não convoca jogador pingaiada é o mesmo que você tem visto e ainda vai ver muito na televisão durante a Copa naquela vibrante propaganda de cerveja.

Coluna publicada no caderno Copa do Mundo do jornal BOM DIA em 10/6/2010. Esta coluna é publicada uma vez por semana, às quintas-feiras.