O MOSTEIRO DE DUNGA
Minha coluna no jornal BOM DIA
Nosso comandante Dunga alegou a necessidade de colocar a razão acima da emoção ao convocar os 23 jogadores que terão o desafio de conquistar o Hexa pela Seleção Brasileira no Mundial da África do Sul. Os fora-de-série Adriano, Ganso e Neymar fora? “Ah, não”, repetiu-se a sinfonia do Oiapoque ao Chuí. Os “mortais” Grafite, Ramires, Josué, entre outros, dentro? “Ah, não”, de novo. Impossível agradar a todos, obviamente, e temos enfim o grupo de “ah nãos” – ah, sim, a torcida concorda com Dunga em grande parte dos convocados.
Do alto de sua fama de durão, disciplinador e moralista de primeira hora, o treinador se permitiu admitir que contrariou seu coração ao deixar Adriano fora da lista. Definitivamente, a vida tumultuada do Imperador não combinava e não combina com aquela seleção de monges liderados pelo prodigioso Kaká. A propósito, naquele jogo contra o sensacional e revolucionário time da Tanzânia o contestado Ramires já mostrou um pouco do que pode ser capaz de fazer de bom agora na terra de Mandela.
O próprio treinador, que nunca havia treinado ninguém e nunca foi o comandante dos sonhos de todos os brasileiros, tem resultados para mostrar. Os números de Dunga impõem respeito. Ao mesmo tempo, ele assume uma responsabilidade sem precedentes ao fechar com seus atletas sacrossantos, desprovidos de toda e qualquer tentação carnal, como convém em um ambiente de monastério. Consciente e acostumado com as cobranças que ele não faz questão de assimilar, o técnico até já disse estar conformado ao ler e ouvir que essa não é a seleção do Brasil, mas a seleção do Dunga.
O treinador da Seleção Brasileira – que já foi campeão mundial como atleta – faz coro ao pensamento de outro comandante contestado, e igualmente campeão do mundo junto com Dunga na Copa de 1994. Absolutamente por acaso, em 1991, fui o primeiro repórter do Brasil a falar com ele, Carlos Alberto Parreira, tão logo a CBF o escolheu para substituir Paulo Roberto Falcão. Parreira viajava de ônibus com o seu Bragantino, de Bragança para Rio Preto, onde enfrentaria o América no Paulistão.
A contragosto, Parreira me sinalizou que, a partir dali, ele seria “o cara” da Seleção. Minutos depois, teve de tocar no mesmo assunto com dezenas de outros repórteres. E raciocinava que o Brasil, com organização administrativa e jogadores de juízo, poderia ser um Dream Team, tal qual a seleção de basquete norte-americana. Era para ter não só cinco, mas dez títulos mundiais. Se bem que Parreira foi campeão com Romário, cujo pescoço nunca teve vocação para ornamentar cangalha.
Enfim, nosso treinador de plantão parece apostar primeiro no homem, depois no atleta. Se puder ter os dois na mesma pessoa, como se espera de Kaká, tanto melhor. Se um ou outro, como Robinho, for mais moleque do que homem, estará perdoado junto com Dunga desde que apronte aquelas molecagens e ajude o Brasil a encontrar o caminho mais curto em direção ao gol e à taça. Seremos, então, capazes de engolir não só o Dunga, mas até o extraordinário Doni, reserva do reserva do Julio César.
Ah, sim: esse Dunga que não convoca jogador pingaiada é o mesmo que você tem visto e ainda vai ver muito na televisão durante a Copa naquela vibrante propaganda de cerveja.
Coluna publicada no caderno Copa do Mundo do jornal BOM DIA em 10/6/2010. Esta coluna é publicada uma vez por semana, às quintas-feiras.
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