Nas areias do Córrego Canela
Manhã de verão em 1950, um menino finca os pés no
brejo do Córrego Canela. Havia conseguido arrancar cinco litros de areia fina
nas águas daquela baixada, entre o centro da cidade e a Vila Santa Cruz. As
madames pagavam 50 centavos pelo litro daquele produto, usado para lustrar
alumínio. Quando não era no Canela, o menino estava no Córrego Borá, na outra
baixada.
Correu para entregar a areia fina nas residências
elegantes da área central de Rio Preto. Voltando das casas elegantes, passou
pela ponte de madeira do Canela e começou a caminhar pela estrada Boiadeira,
onde coletava estrume de gado para vender como esterco. Enquanto recolhia o
estrume da Boiadeira, olhou para o céu, o sol indicando quase meio-dia. Estava
na hora de ir para o colégio Santo André.
Foram assim para ele os últimos anos. Tirar areia fina
no córrego, juntar esterco, fazer as vezes de servente de pedreiro, estudar à
tarde e jogar futebol descalço aos domingos. O garoto já beirava a maioridade
em 1955 quando passou a defender junto com o amigo Rui Bolinha o time amador do
Torino, equipe formada para homenagear o Torino italiano, extinto em desastre
de avião.
De tanto trabalhar duro de servente, pegou jeito e
acabou promovido a pedreiro “meia-colher”. O sol ainda não havia dado o ar da
graça quando ele se dirigia à Boa Vista para ajudar a levantar uma edificação.
No meio do caminho, começou a chover. Deu cheia no Canela. Com tanta água
caindo, não dava mesmo para assentar os tijolos, pensou. Caminhou pela
Boiadeira e resolveu matar o restante da manhã vendo o treino no “Mário Alves
Mendonça”, o estádio das traves quadradas.
Avistou Hudson, o amigo vidraceiro que jogava no
América, gritando de dentro do gramado:
– Entra aqui, garoto. Vem completar os reservas na
lateral esquerda.
Calçou uma chuteira surrada, emprestada pelo mordomo
do clube, e entrou. Sapateou feito gente grande na grama molhada. No final, o
treinador pergunta o seu nome.
– É Benedicto – respondeu. E ouviu em seguida:
– Então você é meu
xará, bichão. Me chamam de Birigui, mas meu nome é Benedito Teixeira. Volta
aqui amanhã para a gente treinar de novo, vou arrumar um lugar para você no
time.
– Não posso. Se não chover mais, tenho serviço logo cedo
lá na Boa Vista.
Uma semana depois, Birigui manda o jogador Bertolino
buscar Benedicto na casa dele, duas quadras acima do Canela. Pega o contrato na
mão, conversa com os pais e assina: “Benedicto Ambrózio”.
(Continua)
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