Conhecendo a praia e bebendo água salgada
Era novembro. A data do jogo do
segundo turno, na Baixada Santista, se aproximava. Um dos melhores amigos de
Ambrózio, Bertolino alertava, com frio nas espinhas:
– Pode botar as barbas de molho,
compadre.
Ambrózio concordava:
– Nossa Senhora. Eles vão meter
uns 15 gols na gente.
O América havia jogado em São
Paulo no domingo e aproveitou a viagem, descendo para Santos, onde o time
jogaria na quarta-feira. A segunda-feira foi de folga e a diretoria,
representada por Antenor Pereira Braga, o “Tuta”, liberou os jogadores para
conhecer a praia. Era a primeira vez que muitos atletas viam o mar.
Em direção à praia, faceiras
meninas passeavam pela calçada do Hotel Atlântico, onde o América estava
concentrado, e não deixavam por menos:
– Olha lá, mais uma vítima do
esquadrão da morte - zombavam, apontando para os jogadores.
– Eu, hein! Será que vai ser
mesmo? - rebatia Ambrózio, exibindo o sorriso amarelo dos ressabiados e um
sotaque cantarolante.
Bertolino, que estava resfriado e
seria substituído por Xatara, não perdia a animação. Convidou os companheiros
para ver a praia de perto. Aproveitou para pregar uma peça nos jogadores.
– Olha lá, rapaziada, é bom levar
toalha e sabonete, senão vocês não têm como tomar banho direito.
Pelo menos cinco marinheiros de
primeira viagem seguiram o conselho e foram para a praia de toalha de banho no
pescoço e sabonete nas mãos, fazendo a alegria de Bertolino, que caía na
gargalhada.
Cuca abaixou-se e pegou um pouco
de água com as mãos. Levou à boca e reagiu, surpreso:
– Nossa, jogaram sal na água! Não
dá para beber isso, não.
Curioso, Ambrózio foi conferir:
– É salgada mesmo, Cuca!
Até que um morador se aproximou e,
segurando o riso, explicou que a água do mar era salgada naturalmente. Também
tratou de informar aos rapazes que não deveriam usar toalha de banho nem
sabonete na praia.
Desfeita a curiosidade, Ambrózio
queria nadar. Tinha a sunga por baixo, mas permaneceu de calção também. Ficou
receoso quando avistou alguns caranguejos. Entusiasmado com a beleza da praia
do Gonzaga, Ambrózio quis garantir uma recordação:
– Esperem aí que já volto –
Atravessou a avenida Ana Costa, chegou ao hotel Atlântico. Voltou com uma
garrafa de vidro vazia.
– Vou encher de água do mar e
levar para Rio Preto.
Bertolino se arriscava a perder o
amigo, mas não perderia aquela piada:
– Tudo bem, mas só tem um
problema. Tem de deixar só um pouco mais da metade. Se você encher, a água vai
estourar a garrafa quando a maré ficar alta.
Mesmo não entendendo muito aquela
conversa de maré, Ambrózio desistiu da garrafa. Foi assim, de alma lavada pelas
águas salgadas da praia do Gonzaga, que os jogadores se recolheram. Treinaram
sério na terça-feira e tiveram cuidado com a refeição. Um dia antes dos jogos,
eles comiam filé com arroz. No dia do jogo, só canja.
Enfim, chegara o dia do massacre
anunciado, 5 de novembro. O América era todo ansiedade quando entrou em campo
com Vilera, Xatara e Fogosa; Adésio, Julinho e Ambrózio; Cuca, Leal, Colada,
Fernando e Hélio. Do outro lado, envergando a camisa do Peixe, estavam Manga,
Ramiro e Dalmo; Getúlio, Urubatão e Zito; Hélio, Jair, Guerra, Pelé e Pepe.
A teoria começou a ser contrariada
pela prática com apenas 6 minutos de partida, quando o atacante Fernando fintou
dois jogadores santistas e inaugurou o marcador a favor do América.
Demorou meia hora para que o
Santos se recuperasse daquele início surpreendente do América, quando Pelé
garantiria o gol de empate. O Peixe virava o placar aos 3 minutos do segundo
tempo, com Hélio, em pênalti cometido por Ambrózio. Apenas aos 44 minutos de
partida, Guerra conseguiu fazer o terceiro.
A máquina santista vencia, mas
comparando com outras atuações, havia emperrado. Resultado: Santos 3 a 1. Um
placar absolutamente apertado, o América exibindo um futebol digno dos grandes
times. Não restava dúvida. Considerando os massacres que o Santos vinha
executando sobre os outros concorrentes, aquilo ali poderia ser considerado
quase que uma vitória.
Ambrózio se sentia verdadeiramente
um vitorioso e satisfeito com a resposta que havia dado às meninas, aquelas
meninas que tinham previsto massacre:
– Olha que o segundo gol do Santos
foi um pênalti injusto. Fui limpo na jogada, mandando a bola para escanteio, e
o juiz achou que toquei no centroavante deles.
Mais felizes ainda ficaram os
jogadores americanos quando Pelé, ainda um menino e já um rei, apareceu nos
vestiários, minutos depois de encerrada a partida.
– Vocês estão mesmo de parabéns.
Pela garra, pela voluntariedade, realmente me surpreenderam.
Dito isso, abraçou Ambrózio e foi
embora. Naquele 1958, Pelé foi artilheiro do Paulistão com 58 gols.
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