sexta-feira, dezembro 19, 2014

O América na Era Pelé (Parte 5)

Conhecendo a praia e bebendo água salgada

Era novembro. A data do jogo do segundo turno, na Baixada Santista, se aproximava. Um dos melhores amigos de Ambrózio, Bertolino alertava, com frio nas espinhas:
– Pode botar as barbas de molho, compadre.
Ambrózio concordava:
– Nossa Senhora. Eles vão meter uns 15 gols na gente.
O América havia jogado em São Paulo no domingo e aproveitou a viagem, descendo para Santos, onde o time jogaria na quarta-feira. A segunda-feira foi de folga e a diretoria, representada por Antenor Pereira Braga, o “Tuta”, liberou os jogadores para conhecer a praia. Era a primeira vez que muitos atletas viam o mar.
Em direção à praia, faceiras meninas passeavam pela calçada do Hotel Atlântico, onde o América estava concentrado, e não deixavam por menos:
– Olha lá, mais uma vítima do esquadrão da morte - zombavam, apontando para os jogadores.
– Eu, hein! Será que vai ser mesmo? - rebatia Ambrózio, exibindo o sorriso amarelo dos ressabiados e um sotaque cantarolante.
Bertolino, que estava resfriado e seria substituído por Xatara, não perdia a animação. Convidou os companheiros para ver a praia de perto. Aproveitou para pregar uma peça nos jogadores.
– Olha lá, rapaziada, é bom levar toalha e sabonete, senão vocês não têm como tomar banho direito.
Pelo menos cinco marinheiros de primeira viagem seguiram o conselho e foram para a praia de toalha de banho no pescoço e sabonete nas mãos, fazendo a alegria de Bertolino, que caía na gargalhada.
Cuca abaixou-se e pegou um pouco de água com as mãos. Levou à boca e reagiu, surpreso:
– Nossa, jogaram sal na água! Não dá para beber isso, não.
Curioso, Ambrózio foi conferir:
– É salgada mesmo, Cuca!
Até que um morador se aproximou e, segurando o riso, explicou que a água do mar era salgada naturalmente. Também tratou de informar aos rapazes que não deveriam usar toalha de banho nem sabonete na praia.
Desfeita a curiosidade, Ambrózio queria nadar. Tinha a sunga por baixo, mas permaneceu de calção também. Ficou receoso quando avistou alguns caranguejos. Entusiasmado com a beleza da praia do Gonzaga, Ambrózio quis garantir uma recordação:
– Esperem aí que já volto – Atravessou a avenida Ana Costa, chegou ao hotel Atlântico. Voltou com uma garrafa de vidro vazia.
– Vou encher de água do mar e levar para Rio Preto.
Bertolino se arriscava a perder o amigo, mas não perderia aquela piada:
– Tudo bem, mas só tem um problema. Tem de deixar só um pouco mais da metade. Se você encher, a água vai estourar a garrafa quando a maré ficar alta.
Mesmo não entendendo muito aquela conversa de maré, Ambrózio desistiu da garrafa. Foi assim, de alma lavada pelas águas salgadas da praia do Gonzaga, que os jogadores se recolheram. Treinaram sério na terça-feira e tiveram cuidado com a refeição. Um dia antes dos jogos, eles comiam filé com arroz. No dia do jogo, só canja.
Enfim, chegara o dia do massacre anunciado, 5 de novembro. O América era todo ansiedade quando entrou em campo com Vilera, Xatara e Fogosa; Adésio, Julinho e Ambrózio; Cuca, Leal, Colada, Fernando e Hélio. Do outro lado, envergando a camisa do Peixe, estavam Manga, Ramiro e Dalmo; Getúlio, Urubatão e Zito; Hélio, Jair, Guerra, Pelé e Pepe.
A teoria começou a ser contrariada pela prática com apenas 6 minutos de partida, quando o atacante Fernando fintou dois jogadores santistas e inaugurou o marcador a favor do América.
Demorou meia hora para que o Santos se recuperasse daquele início surpreendente do América, quando Pelé garantiria o gol de empate. O Peixe virava o placar aos 3 minutos do segundo tempo, com Hélio, em pênalti cometido por Ambrózio. Apenas aos 44 minutos de partida, Guerra conseguiu fazer o terceiro.
A máquina santista vencia, mas comparando com outras atuações, havia emperrado. Resultado: Santos 3 a 1. Um placar absolutamente apertado, o América exibindo um futebol digno dos grandes times. Não restava dúvida. Considerando os massacres que o Santos vinha executando sobre os outros concorrentes, aquilo ali poderia ser considerado quase que uma vitória.
Ambrózio se sentia verdadeiramente um vitorioso e satisfeito com a resposta que havia dado às meninas, aquelas meninas que tinham previsto massacre:
– Olha que o segundo gol do Santos foi um pênalti injusto. Fui limpo na jogada, mandando a bola para escanteio, e o juiz achou que toquei no centroavante deles.
Mais felizes ainda ficaram os jogadores americanos quando Pelé, ainda um menino e já um rei, apareceu nos vestiários, minutos depois de encerrada a partida.
– Vocês estão mesmo de parabéns. Pela garra, pela voluntariedade, realmente me surpreenderam.

Dito isso, abraçou Ambrózio e foi embora. Naquele 1958, Pelé foi artilheiro do Paulistão com 58 gols.

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