terça-feira, dezembro 16, 2014

O América na Era Pelé (Parte 2)

Rio Preto perdia um pedreiro promissor e ganhava um jogador carismático. Entrosar com a turma não foi difícil, mas Ambrózio ainda sabia pouco do América. Curioso, quis saber como o clube surgiu. Perguntou para o homem certo. Teatral, Birigui fazia pausa e até simulava diálogos toda vez que começava a contar aquela história de uma locomotiva que em um certo dia de janeiro de 1946 cortava a paisagem rural quase ao entardecer:
 *
A locomotiva acabava de passar em Catanduva e seguia em direção a Rio Preto. Em um dos vagões estava o engenheiro da Estrada de Ferro Araraquarense (EFA) Antônio Tavares Pereira Lima, que puxa conversa com o amigo Victor Buongermino:
– Sabe, meu caro Victor! Quero montar um clube de futebol. Um time para calar a boca do Canizza.
A reação foi imediata:
– Pode contar comigo, Antônio.

Canizza era principal jogador da equipe do Bancários, o “bicho-papão” do futebol amador de Rio Preto. Vivia desafiando a todos e a se gabar das suas peripécias futebolísticas. Victor e Antônio não suportavam mais ouvir falar daquele nome. Chegaram a Rio Preto e levaram a idéia a outros companheiros de futebol domingueiro.
Era noite de segunda-feira, 28 de janeiro de 1946, quando se reuniram 53 esportistas no Hotel São Paulo, 3º andar do Edifício Curti, na rua Bernardino de Campos. Queriam “Dínamo”, mas desistiram porque um dos presentes lembrou que aquilo “era coisa de comunista”, pois lembrava o Dínamo Moscou, da União Soviética. Mário Alves Mendonça sugeriu:
– Vamos arrumar um nome neutro, capaz de agradar a todas as torcidas, inclusive as de times grandes.

Como o América do Rio de Janeiro, inclusive com distintivo parecido, acrescido das inscrições “São José do Rio Preto” na base. Camisas vermelhas, calções brancos e a figura de um diabinho para mascote.
– Pronto, vai se chamar América. América Futebol Clube! – decretou Pereira Lima.
Escolher o nome, cor de camisa e criar o clube parecia tarefa fácil. Montar o time era um pouco mais complicado. Aclamado presidente, Antônio Pereira Lima descobre que ele próprio é o único jogador. Joga de centroavante. Incumbe o colega Mário Alves Mendonça de ir a São Paulo, registrar o clube na Federação Paulista de Futebol.
Cinco dias depois, chega a primeira contratação, o goleiro Bob, que jogava no rio-pretense Palestra Esporte Clube, e atuou no Rio Preto Esporte Clube. Outros dissidentes do Rio Preto chegam para reforçar o time. Entre eles, o ponta-esquerda Benedito Teixeira, aquele de nome artístico “Birigüi”. Os amigos tinham colocado dinheiro do bolso para dar o impulso inicial.
– Vamos chamar o Canizza para o duelo, Antônio?
– Que nada, Victor. Não vamos jogar contra time amador. Já registramos o América na federação para disputar o Estadual. Só precisamos de alguns amistosos.
Duas semanas mais tarde, o time estava montado, registrado e fazia o jogo de estréia. O adversário não era o Bancários, do falastrão Canizza. Contra aquele adversário, o América nunca jogou. Foi marcado um amistoso contra a Associação Atlética Ferroviária, de Araraquara (precursora da Associação Ferroviária de Esportes, a Ferrinha).
A dois dias do amistoso, a partida ainda não tinha local definido. Birigui se encarregou de dar a notícia a Pereira Lima:
– O Rio Preto está bravo conosco e não quer emprestar o estádio.
A diretoria do Rio Preto negou o estádio “Victor Brito Bastos” ao rival que estava nascendo porque estava contrariada com a debandada de alguns dos seus craques. Pereira Lima responde que vai pedir o campo do Palestra. É atendido, mas na véspera chove muito e o gamado fica todo alagado. Pereira Lima foi obrigado a levar a partida para Mirassol. Ele pagou a viagem de trem para os torcedores. Era 17 de março.
O jogo foi disputado no estádio “Giocondo Zancaner”. O novo time nasceu vitorioso, ganhando de 3 a 1 da Atlética Ferroviária. Quirino abriu o placar marcando um gol de falta. Fordinho, de cabeça, fez 2 a 0, Sacarrolha descontou e, no segundo tempo, Dema deu números finais ao placar. O árbitro foi José Nicolletti Sobrinho. O técnico Zezinho Silva, vindo do Guarani de Catanduva, escalou Bob; Hugo e Edgar; De Lúcia, Quirino e Miguel; Morgero, Dema, Pereira Lima (Nelsinho), Fordinho e Birigui.
Formado pela escola Politécnica de São Paulo, Pereira Lima – jogador e dirigente – também se envolveu na política e foi eleito vereador de Rio Preto em 9 de novembro de 1947. Com Pereira Lima, o América começava a ganhar força política. Mas ainda foram mais de dois anos como inquilino, ora do Palestra Esporte Clube, ora do Mirassol e até do Rio Preto. Meses depois, com os torcedores fornecendo a mão de obra, esportistas garantindo doação de recursos e Mário Alves Mendonça cedendo o terreno, o clube começava a construir o estádio, no alto da Vila Santa Cruz.

O goleiro titular Agostinho Brandi, o “Tino”, estava contundido em 27 de junho de 1948 quando o América inaugurou o estádio “Mário Alves Mendonça” jogando com Sandro (depois Pedrinho), Cai-Cai e Edgar; Evaristo, Prates e Mimosa; Ernane (Agnaldo), Fordinho, Miranda, Ramon Gomes (Cavalheiro Ramos) e Tite.
Foram necessários apenas os primeiros quatro minutos de bola rolando para que Maneco abrisse o placar para o América do Rio de Janeiro, o visitante. Somente aos 39 minutos do segundo tempo o América, anfitrião, chegou ao empate de 1 a 1, com o ponta Tite. Renda de 86 mil cruzeiros e arbitragem de Licínio Perseguitti, da Federação Paulista de Futebol.

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